sexta-feira, 19 de junho de 2009

Patrimônio Histórico e Cultural

Esta análise baseia-se na obra de Pedro Paulo Funari e Sandra de Cássia Araújo Pelegrini, intitulada Patrimônio Histórico e Cultural, desta forma, estamos incumbidos de uma tarefa extremamente complexa: analisar uma obra altamente conceituada e produzida por dois peritos no assunto. Para tanto, limitarnos-emos a uma simplista análise estrutural na tentativa de identificar a problemática sugerido pelos autores ao redor de seu tema e pontuar sua argumentação.
Funari utiliza seus conhecimentos na área de Arqueologia e Etnologia para apontar a utilização primária do termo “Patrimonium” que evidentemente nos inclui o conhecimento das causas inerentes a este especifico momento histórico e suas complicações sociais, desta forma, torna-se impossível desvincular tal concepção de sua raiz etnológica, Patrimonium nesse caso é o conjunto de bens materiais herdados(formados, aglomerados, apropriados, gerados ou mantidos pela aristocracia) que passariam para as próximas gerações, tal concepção deixa claro a organização social de Roma no seu período Imperial quando buscamos a raiz etnológica do termo “Patrício”, que é aqueles que possuem “Patres” , ou seja , uma linhagem – Loci - aristocrática que está atrelada a posse – Pecus – de recursos inclusive humanos(escravos) e materiais;
E podemos nesse contexto, vislumbrar sua manutenção e posteriormente a substituição de valores sociais que implicarão na ampliação deste conceito.
Segundo os autores, a ampliação deste se dá após a ascensão do cristianismo no cenário mundial e sua necessidade de construir um conjunto de estruturas ideológicas coletivas, levando a construção de catedrais onde relíquias religiosas compunham este ambiente mentalizado pela sociedade medieval, produzindo não só um fator de coerção, mas iniciando um ciclo de re-significação para o conceito de patrimônio que até o momento continuava a ser aristocrático porém coletivo. A busca pela Antiguidade no renascimento desempenhou um papel importante e o ápice desta re-significação ou ampliação deste significado surgirá à partir de 1789 na França com a revolução. A criação do Estado nacional proporciona a invenção do conceito moderno de patrimônio – “não mais no âmbito privado ou religioso das tradições antigas e medievais, mas de todo um povo, como uma única língua, origem e território” – Haverá uma pequena divergência na concepção de patrimônio em duas tradições do direito: a concepção do direito romano ou civil e do direito consuetudinário de origem anglo-saxônica, desta forma, respectivamente uma privilegiará o estado e outra a propriedade privada; ainda no ambiente da revolução francesa teremos a criação de uma comissão que se encarregará da preservação do patrimônio nacional que é entendido como um bem material concreto, um monumento, um edifício, assim como objetos de alto valor material e simbólico para a nação, porque parte-se do pressuposto de que há valores comuns, compartilhados por todos, que se consubstanciam em coisas concretas, a partir de então teremos a aplicação de uma legislação especifica e a criação dos museus que são responsáveis pela proteção e administração deste patrimônio. A criação da ONU e da UNESCO após a segunda guerra mundial viria a superar o nacionalismo e o imperialismo na questão que refere a eleição, manutenção e preservação de um suposto “patrimônio da humanidade”, e sob este viés argumenta os autores que a concepção do patrimônio nacional era minado no cotidiano das lutas sociais, e sob este aspecto temos uma preciosa argumentação da Dra. Marilda Aparecida Soares em seu artigo: O resgate da identidade nacional: cultura e fato histórico, onde a mesma aprofunda tal problemática acerca da identidade nacional(a autora refere-se ao Brasil, porém sua análise de forma alguma se distancia do cenário mundial) – Como registrar a história de um povo formado segundo os critérios excludentes da sociedade colonial? Como apresentar a cultura do povo brasileiro sem mencionar o fato de que parte significativa desse povo e, portanto, dessa cultura, foi sistematicamente desqualificada pelos colonizadores?
Tal ponto de vista só é possível graças a matriz cientifico – metodológica que lhes é comum, tanto Funari, Marilda e Pelegrini dedicam-se a construção da história do cotidiano, algo que foi possível apenas a partir do desenvolvimento metodológico especifico que iniciou-se com a escola dos annales , assim torna-se fácil a compreensão desta preciosa mudança na concepção de patrimônio, pois, se tomarmos como ponto de partida a corrente marxista que distancia-se do caráter social para ater-se as questões estruturais, e, sob esta ótica, teremos obviamente a exaltação de monumentos e edifícios que se remetem a grandes marcos ou acontecimentos históricos, fugindo da responsabilidade de incluir em sua construção histórica o fundamento essencial: o sujeito histórico.
No tocante a isto:

“... já não faz mais sentido valorizar apenas, e de forma isolada, o mais belo, o mais precioso ou o mais raro. Ao contrário, a noção de preservação passava a incorporar um conjunto de bens que se repetem, que são, em certo sentido, comuns, mas sem os quais não pode existir o excepcional. É nesse contexto que se desenvolve a noção de imaterialidade do patrimônio. Uma paisagem não é apenas um conjunto de árvores, montanhas e riachos, mas sim uma apropriação humana dessa materialidade. Assim, compõem o patrimônio cultural não apenas as fantasias de carnaval, como também as melodias, os ritmos e o modo de sambar, que são bens imateriais...”

Esta obra preocupou-se em traçar o conjunto de significados adquiridos pelo termo patrimônio em sua trajetória histórica e finaliza com uma preciosa critica a administração da Unesco em sua concepção Eurocêntrica sobre patrimônio da humanidade, e, além disso, deixa claro suas limitações de caráter religioso, sendo que, preocupava-se em tombar apenas monumentos católicos reconhecendo apenas em 1982 um dos mais antigos templos do culto negro no Brasil, e além de todas essas limitações, ainda encontramos a visão elitista e excludente destes tombamentos ao que se refere aos grandes centros metropolitanos, onde coloca-se em primeiro plano os objetos memoráveis e menospreza-se os agentes memorizadores, que no exemplo dado por Funari e Pelegrini acerca da revitalização dos centros históricos latino-americanos, onde é necessário transferir a parcela desprivilegiado da sociedade que aglomeram-se nos centros “denegrindo a imagem a ser preservada” quando os mesmos fazem o uso “não convencional” de edificações(impedindo o “espetáculo do patrimônio” e o turismo cultural), para outras áreas deixando a possibilidade de tornar estes centros com um “ar” mais agradável, escondendo assim toda a doença social vivida por essa parcela da sociedade, e, sob este aspecto, infelizmente podemos detectar que a seleção dos objetos memoráveis estão longe de obter um caráter essencialmente popular, deixando de lado a memória destes que são “expulsos” dos centros históricos por não obedecerem a um padrão estético-comportamental, logicamente, como evidencia os autores, que a experiência patrimonial no Brasil tem sido assimilada no seu sentido mais completo, em sintonia com a coletividade e a partir de conhecimentos antropológicos, sociológicos, históricos, artísticos e arqueológicos orientados por especialistas, e a implantação de cursos de educação patrimonial garantirá o esforço popular para a manutenção desse patrimônio histórico e cultural.
Logo, a concepção primária que se limita ao caráter aristocrático será acrescida de significações até resultar no atual conceito de patrimônio coletivo que não só restringe-se ao monumento edificado, como também as paisagens naturais e a forma em que tais objetos são apropriados pela sociedade tornado esse mesmo patrimônio material e imaterial, avançando a fronteira da importância meramente histórica e chegando ao ápice de contemplar suas características culturais.



Referências Bibliográficas

Funari, Pedro Paulo e Pelegrini, Sandra de Cássia Araújo, “Patrimônio Histórico e Cultural”
Ed.Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006.

Paulista, Marilda Aparecida Soares Alcântara, “O resgate da Identidade Nacional: Cultura e Fato Histórico”
In Domínios de Linguagem II, Ed. FFLCH/USP: São Paulo, 2002.

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